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Sexo frágil? Não, obrigada.

Uma das questões nessa luta do feminismo que muitas mulheres batem o pé é o lance do sexo frágil. Acredito que, ainda que a minha geração tenha quebrado alguns tabus, fomos educadas, ainda, como sendo o sexo frágil. Muitas de nós tivemos um irmão, um priminho, um amiguinho pra nos defender desde a infância. Eu tive. Sou a neta mais nova das duas famílias, e da família do meu pai, vim depois de uma leva de meninos com uma diferença de 1 ano de idade. Cresci, até certa idade, com um desses primos, e ele sempre tava lá pra me defender do que quer que fosse. Eu me sentia segura, porque era quase como se ele fosse onipresente. Eu era intocável. Na escola, todos da nossa faixa etária tinham medo dele. Na nossa rua também. E assim foi, até o momento em que cada um foi pra uma rua diferente, uma escola diferente, e eu me vi totalmente desprotegida.
Sempre fui o que chamam de "menina invocada". Então, continuei arrumando confusão. Só que, dessa vez, eu comecei a ter que ir pra porrada. É a vida. Fui pra coordenação umas vezes. Arrastei menina pelo cabelo no meio do parquinho. Me estapeei com outra. Normal. Comecei a achar que me virava bem. Ledo engano.
Nessa onda de absorvermos a tal da competição feminina que nos é ensinada pelos poros diariamente, logo na pré-adolescência, por muita influência do meu irmão, virei a "rockeirinha". Andava de preto e só me dava bem com "a galera do fundão", muito embora fosse das melhores alunas. Eu e mais uma menina, e o resto da galera eram só meninos. Óbvio, naquela época eu achava que era o máximo. Não tolerava "patricinhas", e, nossa, como eu era foda porque trocava idéia sobre música e várias outras coisas com meus amigos.
Pouco tempo depois, tive meu primeiro namorado. O tal do relacionamento abusivo já mencionado. Eu, que achava que me virava bem sozinha, me retraí, me calei, e me submeti. Ele gritava, eu chorava. Ele me xingava, eu chorava mais. Ele me empurrava, eu ficava apavorada, chorava, mas tinha criado uma dependência emocional de tal forma que não conseguia pensar em terminar com ele, ou em deixar alguém saber disso. Meu irmão(que é mais velho), na época, tava do outro lado do mundo, nem sonhava. Meu primo, eu já tava afastada há anos. Era eu e eu. Eu, pequena, 39kgs, que fazia de tudo pra agradá-lo o tempo todo. Houve uma ocasião em que eu tava com ele e uns amigos dele falaram umas merdas pra mim. Claro, ele me tratava como lixo, não tinha o menor respeito por mim. Amigo dele é que não teria. Ele não fez nada. E continuou amigo deles. Eu fiquei extremamente humilhada. Mas, claro, um dia eu fui cansando, terminei, ponto.
Quando meu irmão soube, pediu que dois grandes amigos dele ficassem por perto. Passei uns meses saindo sempre com eles, e aquela sensação de estar novamente protegida e segura voltou. Querendo ou não, é uma sensação boa. Quando eles perceberam que já tava tudo tranquilo, fomos nos afastando.
Fui casada com um cara extremamente pacífico. Cada vez que acontecia alguma coisa, eu esperava que ele fosse lá me defender. Não acontecia, e eu me frustrava. Eu me defendia, gritava, ia pra cima. Mas ele, o meu ex marido, maior que eu, "o homem da casa", falava pra eu manter a calma. A gente foi educada pra esperar isso dos nossos parceiros - proteção -, em relacionamentos heterossexuais. E dificilmente acontece. A gente se frustra, se sente uma merda, humilhada, diminuída. Como ele pode deixar isso acontecer, ficar calado? Eu defendo meus amigos e qualquer pessoa que eu ame com unhas e dentes. Os namorados não fazem isso. Não mais. E, na verdade, a nossa luta é justamente pra que essa "necessidade" saia do nosso íntimo. A gente não precisa disso pra se sentir valorizada, porque o primeiro valor tem que vir da gente. É clichê, mas é verdade. E, se o cara não valoriza, perdeu, playboy.
Fora isso, São Luis é uma cidade pequena. Meu irmão treinou karate uma boa parte da vida, e o mestre dele frequentava os mesmos lugares que eu. Sempre me lembrava que tava por perto e que, qualquer problema, ele estaria ali. Então, nunca me senti vulnerável em lugar nenhum. Não entendo muito dessas coisas, mas sei que o cara já tem em não sei qual dan(é isso?!) e em lugar nenhum alguém poderia mexer comigo ileso.
Hoje, moro em outra cidade, outro estado. Passei quase um mês em uma república em que eu trancava a porta todos os dias quando chegava lá, porque  tinha medo de um cara que morava lá. O cara era afim de mim, já tinha tido histórico de invadir o quarto das meninas, e eu tinha pavor de isso acontecer.
Tenho refletido muito sobre toda essa coisa de sexo frágil, de "precisar" de um cara pra proteger a gente. Isso tá errado, muito errado, gatas. Concordo que temos uma estrutura física diferente dos homens. Porém, precisamos ensinar as nossas meninas e precisamos aprender a nos defender sozinhas. Não podemos esperar por irmão, primo, namorado, marido. Precisamos internalizar a idéia de que somos nós por nós mesmas, e todas temos um pouco disso dentro de si.
Lembro que a primeira coisa que fiz quando ganhei meu primeiro carro foi pedir pro meu irmão me ensinar a trocar pneu. Porém, em um dado momento, eu perdi isso, e comecei a chamá-lo pra trocar o pneu pra mim, porque não queria sujar minhas mãos. COMO ASSIM?
Não existe lugar de mulher, e não existe lugar de homem. Lugar de mulher é onde ela quiser.
E nós só vamos continuar sendo colocadas nessa posição de "sexo frágil" se continuarmos permitindo isso. E hoje eu decidi que chega. Esse não é o meu lugar. Sexo frágil é o caralho. Houve um tempo em que comecei a treinar karate por isso e acabei desistindo. Não, não pode ser assim. Se eu quero saber me defender de qualquer babaca que não entende o que é NÃO, que o corpo é meu, e que ele vai ter que me respeitar porque sim, então eu preciso aprender isso. E acredito que as mulheres precisam aprender isso. Nem sempre vai ter um salto por perto pra jogar na cabeça de alguém, ou um copo, ou uma garrafa. Ou uma faca. Deixemos isso de lado, aprendamos a nos defender e a dizer "pega no meu power, filho da puta!".

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