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Feminista demais

Não tem muito tempo que eu tive o meu despertar pro feminismo. Acho que, no fundo, sempre tive algo que, mais cedo ou mais tarde, me levaria a isso. Nasci e fui criada em uma família tradicional e patriarcal, em que as meninas ou não tem vez, ou, até tem, mas no último lugar da fila. Sempre rolou toda uma hierarquia, e esse foi um dos maiores incômodos da minha vida, porque independia de méritos ou esforço. Era simplesmente assim que as coisas eram.
Cresci e percebi que, de uma forma talvez um pouco mais amena, a sociedade é assim também, e que isso é uma questão tão profunda e tão vasta, e exige tanta reflexão, estudo, pesquisa e vivência. Muitas mulheres, inclusive do meu convívio, não despertaram pra isso, e nem sei se um dia vão despertar. Me entristece, porque afeta a todas nós, desde o nascimento, por mais privilegiadas economica ou socialmente que possamos ser. Mas, de fato, pra enxergarmos e sentirmos isso, é preciso uma reflexão muito profunda, um mergulho pra dentro de si e toda uma desconstrução de tudo aquilo que sempre nos ensinaram, desde quando aprendemos a assimilar as coisas.
Quando começamos a perceber as diversas nuances do feminismo, muitas coisas doem. A violência contra a mulher, nas mais variadas formas, doem. Não é comigo, mas poderia ser. Ouvir um cara falando de uma mulher de forma pejorativa, me revolta. "Ah, mas aquilo ali nem vale a pena. Você viu o jeito que ela tava?". Não, amigo, quem não vale a pena é você, que nem a conheceu e já a julgou porque IMAGINOU que ela tava te dando mole". Reclamam se você fica na sua por ser reservada, mas reclamam se voê é expansiva, porque aí você tá dando mole.
Zomis, já experimentaram procurar um hobby pra ocupar essas suas cabecinhas egocentricas? Sepá, funciona, e vocês podem descobrir que o universo feminino não gira em torno de vocês. Afinal, somos multitarefas, coisa que a maioria de vocês não são, e ter tempo pra passar 24hs pensando só em vocês... é demais, viu? Vai ser um choque, mas vocês vão superar.
Homens machistas tem um prazerzinho em sabotar o relacionamento dos amigos, porque, se a namorada/esposa se impor, ela, automaticamente, vira a chata. E aí começam as piadinhas idiotas do tipo? "Fulana não te deixa mandar msg quando tá com ela?" "Não pode mais sair pra beber agora que tá namorando?" Por que eles não se tocam que relacionamentos amorosos tem um lugar na vida da pessoa e que, a partir daí, FODA-SE se eles continuam solteiros, o outro carinha não tá, e, surpresa! A vida muda. A disponibilidade muda. Mas parece que afeta a masculinidade do cara deixar de ir pros programas dos amigos, de vez em quando. Ele vira menos homem, e, claro, é muito mais interessante ser mais homem pros amigos do que ser um melhor namorado pra sua namorada. Melhor bater punheta do que ter uma companheira pra vida. Eterna adolescência.
Cara, eu ainda me espanto com a quantidade de gente desinformada sobre o machismo e sobre o feminismo. Informação hoje tem às toneladas, e só não tem quem não quer. Machismo MATA! É um absurdo se afirmar que as mulheres conquistaram direitos iguais e já não tem mais pelo que lutar.
Um homem jamais vai entender o que é ter medo de andar sozinha numa rua deserta e ver um homem no meio do nada; um homem jamais vai entender o que é, mesmo sabendo que você tem o direito de usar a roupa que quiser porque o seu corpo de pertence, ter receio de usar um short menor pra ir determinados lugares pela quantidade de abordagens que vai receber; um homem jamais vai saber o que é colocar o fone de ouvido do momento que você sai da porta de casa até o momento que entra de volta, simplesmente pra ignorar qualquer "cantada"que vá receber na rua; ou ter que se contorcer num ônibus ou num trem, porque tem zilhões de pervertidos que acham que tem o direito de te acoxar ali. Outro dia aconteceu comigo uma cena parecidíssima com a de um video que tava circulando na internet, de um pervertido que tava em pé no onibus e uma menina sentada, e o cara ficava se encostando nela. Só que eu não sou mais criança, como ela. Eu simplesmente me afastei e fiz a minha pior cara de antipática - sou muito boa nisso, quando quero. E encarei o desgraçado com essa cara, até ele se tocar que não, ele não ia se encostar em mim. Ele mudou de lugar e foi pro outro lado do ônibus. Tem dias que sim, a gente fica paralisada de tão horrorizada com essas coisas. E tem dias que não, você tá tão cansada com essas coisas, que se acontecer, roda a baiana mesmo, onde quer que seja. E aquele era um dia desses. Tava preparada pro cara insistir e eu fazer um escândalo com aquele pervertido.
Um dia desses, se um dito cujo continuar me sacando, eu vou perguntar qual o problema dele. Outro dia, em mais uma piadinha jogada pra mim, eu posso acabar respondendo. Ou em outro, se me julgarem por eu ser reservada, posso me dar o direito de ser antipática, porque, afinal de contas, NÃO SOU OBRIGADA. Funciona assim: se você não me conhece, não me rotula, porque eu não tô numa prateleira de supermercado. Não fo-de a mi-nha pa-ci-ên-cia. Ela não é infinita, e eu tô longe da madre Tereza.

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