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O outro lado da moeda

Pouco mais de 2 meses tentando construir outra vida, outro lar. Na verdade, reconstruir. Recomeçar é sempre bom. Uma das coisas mais ricas disso tudo é ver o mundo com outros olhos, ter outra percepção, e sentir meus pés em um chão que, finalmente, eu sinto ser o meu. Parece que, agora sim, é real.
Outro dia li um texto muito compartilhado pelo facebook, acho que o título era "Mãe, obrigada por não ter criado uma princesa". E eu me vi um pouco constrangida, involuntariamente. Nunca tive vergonha dos meus pais - pelo contrário, meu maior orgulho nessa vida são eles, que sempre me deram tudo, e eu tenho plena consciência do esforço deles pra isso. Quem olha de fora nunca sabe da realidade da vida de alguém, e pode achar que as coisas vêm fácil. Todo mundo adora julgar, né? Pois, sim. Tive mesmo uma vida fácil, desde que nasci. Nunca me faltou nada, e, muitas vezes, me sentia "envergonhada" por ter mais que várias amiguinhas.
Nunca precisei andar de ônibus ou ir a pé pra lugar nenhum. As vezes em que fui, foi por opção. Ia andando pra aula de natação, porque era a uma quadra de distância da minha casa, e a minha mãe ficava acenando pra mim da sacada do quarto dela. E eu era tão apegada a ela, que naquele pequeno percurso eu sentia saudade. Ela sempre me levou e buscou em todas as aulas, e me acompanhou em tudo. Tive a mãe mais linda e mais presente do mundo, e não existe palavra mais adequeada pra descrever isso do que "presente". Prova disso é que qualquer viagem de 2 dias me fazia cair em prantos, tamanho era o meu grude com ela.
Foram várias as ocasiões em que meu pai me levou pro shopping com alguma outra amiguinha, na infância, e, ao descer do carro, deu "dinheirinho"(era como ele sempre me falava) não só pra eu lanchar "e comprar alguma coisinha", mas pra minha amiguinha também. E eu o admirava e adorava mais ainda por isso, porque assim ele me proporcionava momentos maravilhosos com as amigas que eu escolhia por afinidade. Não me lembro de uma única vez em que me foi cobrado que eu escolhesse minhas amizades por outro motivo. Nem sequer isso já foi mencionado na minha casa, graças a Deus. Mas, ainda assim, não vou dizer que "nunca passei vontade". Quando criança queria ter um poney. E por anos meu pai me dizia "mais tarde". O "mais tarde" nunca chegou. Hoje eu sei que não era porque ele não podia me dar, mas porque, por algum motivo, ele me deu a sua cota de "nãos" necessária, muito embora, confesso, tenha sido pequena. Quantas vezes ele levantou meia noite pra comprar um crepe de chocolate pra mim, porque eu "não conseguia dormir porque tava com vontade de comer um crepe de chocolate", com 3 anos de idade?! Incontáveis. Sim, fui muito mimada.
Se dependesse dos meus pais, realmente, nunca teria aprendido a lavar uma louça, fazer um arroz, lavar roupa. Aprendi por vontade própria, sabe-se lá porquê, e, no fundo, eu sempre percebi um fundinho de alegria nos olhos do meu pai quando eu pedia pra aprender essas coisas. Fui mal criada? Não. Meu pai sempre me ensinou a falar a verdade e a ter humildade, acima de tudo. A tratar a todos com respeito. Meu relacionamento com meus pais, apesar de não ser dos mais abertos (nunca tratamos de sexo numa reunião de família, se vocês querem saber, ou em qualquer outra ocasião), sempre foi muito sincero. E nunca, jamais, aprendi com meu pai a fazer distinção por conta de classe social. Aliás, essa é uma das coisas que nunca aprendi dentro de casa: classe social. Por isso, todo esse conceito de "luta de classes" é algo que me soa tão estranho aos ouvidos.
Mas, não, não quero escrever sobre a minha vida ou qualquer coisa assim. Já pensei ser de extrema direita e acreditar piamente em meritocracia. Na real, eu gostaria muito de acreditar em meritocracia, no mundo real. Sendo filha de um cara que já foi de quase tudo nessa vida, por ter sido pobre de verdade, e realmente venceu, bom, não era de se esperar outra coisa. Acredito muito no valor do trabalho - qualquer trabalho. Aprendi com meu pai a dar valor a todo e qualquer trabalho, desde que seja honesto. Porém, eu vivo no Brasil, e, infelizmente, aqui, como diz o meu pai, não é tudo "preto no branco", por mais que eu, amante da verdade, queira que seja assim. E eu, que já fui tão anti-PT, hoje me vejo reconhecendo alguns de seus méritos. Não sou petista, nem sou da ala PSDB - porque parece que quem é contra o PT automaticamente tem que ser a favor do PSDB, como se fossem realmente oposições.
Tenho refletido muito sobre as várias realidades. A realidade Brasil, a realidade "país de primeiro mundo", a realidade "país fodido" com crianças morrendo, literalmente, de fome. E não dá pra aplicar a mesma fórmula pra tudo. Cada lugar tem suas peculiaridades, embora eu pense que a gente ganharia um tanto se seguisse alguns bons exemplos.
Existe uma cobrança meio chata aqui pra se ter um diploma. Até entendo, deve fazer algum sentido. A pessoa precisa ter uma profissão. Pra mim, particularmente, é chato, porque eu mudo de idéia a cada 5 minutos, e acho que, se cada um veio com um dom, eu vim com avaria. Não existe um dom pra viajar e ganhar dinheiro?! Haha. Brinks.
Enfim. E aí, a gente olha pra um outro país, chamado "de primeiro mundo", e vê que as pessoas podem, tranquilamente, não ter um diploma, e viver bem, sem perrengue. Aqui, não. A gente se fode.
Uma das coisas interessantes da minha vivência aqui é a diferença do choque de realidade. Em São Luís, por mais que eu não tivesse profissão, nunca fui desempregada, e sempre fui "alguém". Filha "de fulano", nora "de cicrana", "nora de cicrano"... e, aqui, não. Eu sou só mais uma desempregada em busca de um emprego, como trocentas outras pessoas. E eu passo ou não nas entrevistas, por vários motivos: seja porque eu não sou qualificada o suficiente, seja porque a fulana que me entrevistou não foi com a minha cara, seja porque meu sonho de vida não era ser atendente de call center...whatever! O interessante é que, realmente, aqui, eu sou "só" eu. E isso, gente, é ótimo! Eu tenho os meus próprios fracassos e, quem sabe (Oxalá!) possíveis vitórias, e são só meus. São as minhas próprias merdas. Não tem ninguém pra me encher o saco, pra competir por isso ou aquilo. Não tenho sombras ou fantasmas.
Cara. Não dá pra negar que os programas sociais fazem SIM diferença na vida de muita gente. Infelizmente, hoje em dia, é um pouco mais difícil mudar de vida por esforço. Existem, sim, muita gente que consegue, e, poxa, que bom! Isso prova que, de fato, a meritocracia ainda tem o seu lugar. Porém, nem sempre isso funciona. Não acho também que seja sempre uma questão de oportunidade. Volto pros programas sociais. Acho que, às vezes, são escolhas erradas, dentre várias outras coisas. São muitas variáveis. Não me afeiçôo do discurso de vítima, não simpatizo com a idéia de luta de classes, porque realmente acredito na iniciativa privada. Pode até parecer contraditório, visto que sou um tanto cética em relação ao ser humano. Porém, ainda acho que a iniciativa privada tem um papel importantíssimo na sociedade e que nem todo empresário é um bicho papão e, mais uma vez, eu falo do meu pai pra dizer que ele é o melhor exemplo disso que eu conheço.
O que fode muito a idéia dos programas sociais é que existe muita corrupção no ser humano, de um modo geral, e na nossa cultura, especificamente. Sempre falo que é difícil acreditar na mudança de um país em que se vê corrupção desde o mais simples cidadão, porque o nosso governante nada mais é do que um representante legítimo da nossa sociedade. E eu realmente enxergo assim: a gente é representado, e eu falo isso com muito pesar, por representantes que são o espelho da nossa sociedade. E eu não preciso ir longe pra mostrar isso. Todo mundo sabe, todo mundo vê exemplos claros disso todos os dias, desde o sinal de trânsito furado até o troco errado no caixa do supermercado.
Mas, sim, claro, continuo pensando que existe muita falácia no discurso do PT. A classe média aumentou? Sei não. Mas que o poder de compra da classe menos favorecida aumentou, isso, com certeza. E se, hoje, essas pessoas podem ter mais conforto do que há 10 anos, que bom. Que bom que o nosso país parece caminhar pra garantir aqueles direitos que a nossa Constituição diz que é direito de todos. Espero que um dia isso se torne realidade. Porém, é preciso cautela, pra que não se permita uma dívida que no final vire uma bola de neve. Além, claro, de se pensar de uma forma mais global também. Acho que faltou isso. Além, claro, de se dar o devido valor à herança do governo anterior ao do PT, porque nem tudo foi realmente cria deles. Mas...
Hoje vi um discurso da Dilma que, pela primeira vez, e não sinto qualquer orgulho em dizer isso, não me fez rir. Ela, que foi alvo das últimas manifestações, defendia a legitimidade dessas últimas. Eu não posso falar nada contra uma governante que diz isso. Nada. Só aí, eu vi que preciso repensar minha postura de ser totalmente contra o PT ou a Dilma. Ninguém é COMPLETAMENTE podre ou errado. Ela tomou muitas medidas erradas, de fato. Não visto uma camisa vermelha, sou anti Che Guevara e abomino Karl Marx. Porém, eu vi alguém que respeita a democracia, diferente de muitos de seus eleitores e, isso, é digno de muito respeito.
Sempre fui defensora do discurso de causa e consequência. Acho que cada um faz suas escolhas, e que quem as faz deve arcar com os devidos resultados. Todavia, há de se respeitar a individualidade e limitações de cada um.
Até pouco tempo atrás acreditava que certas pessoas eram irrecuperáveis. Não sei se um jovem de 16 anos não tem consciência de seus atos, ainda preciso pensar sobre isso. Porém, é preciso pensar na realidade que um jovem de 13, 14 anos cresceu, e entender que, muitas vezes, aquela pessoa que ainda tá crescendo, aprendendo a ver e viver o mundo, só precisa de uma segunda chance, uma oportunidade dentro de um lar. Talvez. Talvez seja só uma questão de darmos uma chance pra um novo olhar. Será?
Uma das coisas que sempre admirei e, ao mesmo tempo, critiquei no meu pai, foi a mania dele de não perder a fé nas pessoas. Acho que herdei dele esse otimismo inabalável. É um esforço contínuo, pra mim, não perder o otimismo, a fé, esse restinho de força de sempre levantar a cada queda e ver uma luz no fim do túnel. E, por mais que eu sempre tenha criticado muito o Brasil e falado o quanto eu sonho em sair daqui, hoje eu espero muito ver, um dia, algo diferente. Um país menos conservador, mais igual, mais fraternal.


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