Sempre fui muito influenciada pelo gosto musical do meu irmão, e uma das músicas preferidas dele e que eu também me identifico muito é metamorfose ambulante. Eu poderia dizer que esse último ano, especificamente, foi de mudanças pontuais na minha vida. Porém, se eu analisar bem, minha vida nunca foi calmaria nem estática.
Em 30 anos, posso dizer que já tive algumas vivências significativas. Muitas delas não foram fáceis, é verdade. Várias continuam não sendo. E, a bem da verdade, já fiz e refiz escolhas que muitas outras mulheres da minha idade começam a pensar agora. Não acredito em regras fechadas pra vida, mas, sim, confesso que muitas vezes já pensei que poderia não ter feito essas escolhas quando as fiz.
Já fui casada, tenho 2 filhos, já me separei, e hoje estou num processo de tentar me divorciar. Bissexual assumida, com depressão grave e crônica, transtorno de ansiedade, colecionadora de traumas, alguns cursos superiores largados no meio do caminho. Já tentei ser wicca, evangélica, mas nasci católica. Fui criada numa classe privilegiada, sempre estudei em escolas particulares, venho de uma família originalmente racista e conservadora, mas, por sorte, não fui ensinada a ser racista(ou, pelo menos, não tão racista assim), e, bom, o conservadorismo a vivência me ajudou a desconstruir, bem como reconhecer meus privilégios e perceber que existe vida para além do meu umbigo.
É complicado quando a gente cresce num meio privilegiado e começa a se questionar, e, mais a frente, a fazer questionamentos sobre privilégios sociais e tudo o que isso envolve. Esses questionamentos incomodam. Quem tem privilégios, dificilmente quer abrir mão. Eu sei disso. É confortável. Como imaginar uma vida diferente da que eu tive? Bem, se eu fizer um exercício de empatia e perceber a quantidade de pessoas que cresce em uma realidade absurdamente distante da minha... sim, é aí que mora a injustiça.
Claro, sempre vi o meu pai trabalhar muito, desde que me lembro. Conhecendo a história do meu pai, sei que ele ralou muito pra chegar onde chegou. Meu pai foi pobre de verdade, trabalhou desde menino. Minha mãe, apesar de ser filha de japoneses(o que, pra quem não sabe - e, incrivelmente, MUITA gente desconhece essa realidade - significa ser uma família tradicionalmente patriarcal e obviamente machista), sempre trabalhou, até o meu pai, por conta do trabalho, precisar começar a mudar de cidade com muita frequência. Talvez por isso, ou por caráter mesmo, meus pais nos ensinaram o valor da humildade e do trabalho desde sempre, e a isso vou ser eternamente grata. Nasci filha de um empresário de quem tenho muito orgulho, mas meu primeiro emprego foi de entregar panfleto. Já fui caixa de lanchonete, de locadora de video, e claro, já trabalhei com ele também. Em momento algum na vida ouvi na minha casa que algum emprego era pouco demais pra qualquer um de nós 3. Pra mim, isso é óbvio. Infelizmente, no Brasil, pra muitos, isso é absurdo. Me soa muito mal aos ouvidos esse tipo de pensamento. Vida que segue.
Já "flertei", politicamente, com a direita. Acreditei na lenda da meritocracia. Achava que bastava se esforçar e estudar. Lia relatos de um catador de lixo que achou apostilas e estudou pra um concurso, virou juiz. Uma faxineira que estudou muito, passou num concurso público. Sempre essas histórias de sucesso, casos raros, saem na mídia - pronto! Viu só como a meritocracia existe? Sim, são casos maravilhosos, e, obviamente, merecem sim destaque, admiração e respeito. Mas devem ser tidos como regra?! Não. É preciso ter em mente a qualidade do ensino público de base no Brasil; é preciso ter consciência do acesso à educação das gerações anteriores. Faz-se necessário, ainda, perceber que, nesse país, ainda existem pessoas que são invisíveis, vivem à margem, e, como tal, aprendem a sobreviver como podem. É preciso abrir os olhos pra realidade que nos cerca, sob o risco de viver num mundo de conto de fadas quando somos privilegiados e só conhecemos a Rua Grande quando vamos à inauguração da Riachuelo, e, assim, nos convencemos de que somos muito "do povo". Não. A realidade é bem diferente da C & A.
Outro dia uma amiga me disse que eu tava "pagando de negra da periferia". Me pergunto como eu poderia fazer isso com essa cara de japonesa estampada, e com todos que me conhecem, sendo pessoalmente ou em Facebook, sabendo da minha realidade. Eu não escondo as minhas origens, e nem escondo nada de mim. Sempre fui muito transparente, onde quer que eu vá, onde quer que eu fale. Porém, isso jamais vai me impedir de lutar por justiça social, contra o racismo, contra o elitismo, contra o conservadorismo, e mais tantas e tantas coisas. Outra vez, me disseram que eu não sou "mais mulher que ninguém". Realmente, não sou. Mas eu sei da minha vivência. E, infelizmente, uma pessoa que não passou por tudo que eu passei até hoje não tem vivência o suficiente pra falar dos tipos de violências que eu já sofri. É fácil falar do lado de fora. Difícil é vir até aqui e dar a cara a tapa. Tenho ouvido milhares de coisas ao longo desse último ano. "Você nunca falou sobre a sua origem antes, e agora quer usar isso pra se vitimizar pelo machismo". Tenho certeza que minhas amigas mais próximas, aquelas que dormiram na minha casa mesmo em dias que não eram pra sair, aquelas que me acompanham desde a infância, ou início da adolescência, aquelas que vivenciaram de perto a minha dinâmica familiar, sendo próximas da minha família, bem como eu próxima da delas, não têm porquê me questionar. Enfim, tem sido um ano exaustivo.
Sim, hoje eu foco muito em militâncias. Luto contra o patriarcado, sou aliada contra o racismo (sempre que não for pra roubar lugar de fala de uma pessoa negra), luto contra a exploração que o capitalismo causa, luto contra aqueles que vão contra a democracia, e sou defensora dos direitos humanos. Acredito que é um ótimo exercício pra qualquer pessoa, como ser humano, se questionar de vez em quando sobre o seu lugar no mundo, ainda que isso doa um pouco. Nós não somos perfeitos, nossa família não é perfeita. Existe vida além do muro da nossa casa. Aliás, se todos tivéssemos consciência disso, quem sabe esses muros fossem desnecessários, não é mesmo.
Em 30 anos, posso dizer que já tive algumas vivências significativas. Muitas delas não foram fáceis, é verdade. Várias continuam não sendo. E, a bem da verdade, já fiz e refiz escolhas que muitas outras mulheres da minha idade começam a pensar agora. Não acredito em regras fechadas pra vida, mas, sim, confesso que muitas vezes já pensei que poderia não ter feito essas escolhas quando as fiz.
Já fui casada, tenho 2 filhos, já me separei, e hoje estou num processo de tentar me divorciar. Bissexual assumida, com depressão grave e crônica, transtorno de ansiedade, colecionadora de traumas, alguns cursos superiores largados no meio do caminho. Já tentei ser wicca, evangélica, mas nasci católica. Fui criada numa classe privilegiada, sempre estudei em escolas particulares, venho de uma família originalmente racista e conservadora, mas, por sorte, não fui ensinada a ser racista(ou, pelo menos, não tão racista assim), e, bom, o conservadorismo a vivência me ajudou a desconstruir, bem como reconhecer meus privilégios e perceber que existe vida para além do meu umbigo.
É complicado quando a gente cresce num meio privilegiado e começa a se questionar, e, mais a frente, a fazer questionamentos sobre privilégios sociais e tudo o que isso envolve. Esses questionamentos incomodam. Quem tem privilégios, dificilmente quer abrir mão. Eu sei disso. É confortável. Como imaginar uma vida diferente da que eu tive? Bem, se eu fizer um exercício de empatia e perceber a quantidade de pessoas que cresce em uma realidade absurdamente distante da minha... sim, é aí que mora a injustiça.
Claro, sempre vi o meu pai trabalhar muito, desde que me lembro. Conhecendo a história do meu pai, sei que ele ralou muito pra chegar onde chegou. Meu pai foi pobre de verdade, trabalhou desde menino. Minha mãe, apesar de ser filha de japoneses(o que, pra quem não sabe - e, incrivelmente, MUITA gente desconhece essa realidade - significa ser uma família tradicionalmente patriarcal e obviamente machista), sempre trabalhou, até o meu pai, por conta do trabalho, precisar começar a mudar de cidade com muita frequência. Talvez por isso, ou por caráter mesmo, meus pais nos ensinaram o valor da humildade e do trabalho desde sempre, e a isso vou ser eternamente grata. Nasci filha de um empresário de quem tenho muito orgulho, mas meu primeiro emprego foi de entregar panfleto. Já fui caixa de lanchonete, de locadora de video, e claro, já trabalhei com ele também. Em momento algum na vida ouvi na minha casa que algum emprego era pouco demais pra qualquer um de nós 3. Pra mim, isso é óbvio. Infelizmente, no Brasil, pra muitos, isso é absurdo. Me soa muito mal aos ouvidos esse tipo de pensamento. Vida que segue.
Já "flertei", politicamente, com a direita. Acreditei na lenda da meritocracia. Achava que bastava se esforçar e estudar. Lia relatos de um catador de lixo que achou apostilas e estudou pra um concurso, virou juiz. Uma faxineira que estudou muito, passou num concurso público. Sempre essas histórias de sucesso, casos raros, saem na mídia - pronto! Viu só como a meritocracia existe? Sim, são casos maravilhosos, e, obviamente, merecem sim destaque, admiração e respeito. Mas devem ser tidos como regra?! Não. É preciso ter em mente a qualidade do ensino público de base no Brasil; é preciso ter consciência do acesso à educação das gerações anteriores. Faz-se necessário, ainda, perceber que, nesse país, ainda existem pessoas que são invisíveis, vivem à margem, e, como tal, aprendem a sobreviver como podem. É preciso abrir os olhos pra realidade que nos cerca, sob o risco de viver num mundo de conto de fadas quando somos privilegiados e só conhecemos a Rua Grande quando vamos à inauguração da Riachuelo, e, assim, nos convencemos de que somos muito "do povo". Não. A realidade é bem diferente da C & A.
Outro dia uma amiga me disse que eu tava "pagando de negra da periferia". Me pergunto como eu poderia fazer isso com essa cara de japonesa estampada, e com todos que me conhecem, sendo pessoalmente ou em Facebook, sabendo da minha realidade. Eu não escondo as minhas origens, e nem escondo nada de mim. Sempre fui muito transparente, onde quer que eu vá, onde quer que eu fale. Porém, isso jamais vai me impedir de lutar por justiça social, contra o racismo, contra o elitismo, contra o conservadorismo, e mais tantas e tantas coisas. Outra vez, me disseram que eu não sou "mais mulher que ninguém". Realmente, não sou. Mas eu sei da minha vivência. E, infelizmente, uma pessoa que não passou por tudo que eu passei até hoje não tem vivência o suficiente pra falar dos tipos de violências que eu já sofri. É fácil falar do lado de fora. Difícil é vir até aqui e dar a cara a tapa. Tenho ouvido milhares de coisas ao longo desse último ano. "Você nunca falou sobre a sua origem antes, e agora quer usar isso pra se vitimizar pelo machismo". Tenho certeza que minhas amigas mais próximas, aquelas que dormiram na minha casa mesmo em dias que não eram pra sair, aquelas que me acompanham desde a infância, ou início da adolescência, aquelas que vivenciaram de perto a minha dinâmica familiar, sendo próximas da minha família, bem como eu próxima da delas, não têm porquê me questionar. Enfim, tem sido um ano exaustivo.
Sim, hoje eu foco muito em militâncias. Luto contra o patriarcado, sou aliada contra o racismo (sempre que não for pra roubar lugar de fala de uma pessoa negra), luto contra a exploração que o capitalismo causa, luto contra aqueles que vão contra a democracia, e sou defensora dos direitos humanos. Acredito que é um ótimo exercício pra qualquer pessoa, como ser humano, se questionar de vez em quando sobre o seu lugar no mundo, ainda que isso doa um pouco. Nós não somos perfeitos, nossa família não é perfeita. Existe vida além do muro da nossa casa. Aliás, se todos tivéssemos consciência disso, quem sabe esses muros fossem desnecessários, não é mesmo.
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