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Eu tenho medo de "gente de bem"

Pois é. Não me leve a mal - também tenho medo de estupro, assédio, assalto, ser assassinada, ou que qualquer pessoa que me é querida sofra por qualquer um desses crimes, afinal, não vivo em um dos países mais seguros do mundo. Porém, também sei que não vivo em um dos países em que a distribuição de renda é das melhores. Existe um abismo social imenso no Brasil.
Então, peraí. Antes que você me aponte o dedo na cara com aquele discurso "direitos humanos pra humanos direitos", gracinha, deixa eu te explicar uma coisa: sou a favor dos direitos humanos, e, pra mim, ser humano é ser humano, "ponto". Deu pra entender? E, se vivemos em sociedade, respeitamos leis. Ou, pelo menos, deveríamos. Se cada um fizer uma lei pra si e for seguir os seus próprios conceitos pra viver de acordo, acho que aí já vira outra coisa.
Eu tenho medo de "gente de bem" porque é nesse meio que vivem aqueles da classe média alta das nossas cidades e queimam índios (e depois justificam, dizendo que achavam ser um mendigo, como se uma coisa fosse mais razoável que a outra - NÃO! Continua sendo uma vida!), cismam de espancar alguém no trânsito(just because!), ou num show desses que rolam por aí - e, geralmente, os delegados nem se interessam muito em sequer conhecê-los, porque, afinal de contas, suas contas bancárias, seus sobrenomes, seus negócios de família, né... Fato é que dificilmente chegarão a ser fichados. Nesse meio, vivem aqueles que podem virar policiais, delegados, defensores públicos, juízes, promotores de justiça, enfim, fazerem esses concursos da vida, ou irem parar em um dos poderes públicos e decidirem as nossas vidas, normalmente, por dinheiro.
São os chamados "filhinhos de papai"(ainda são chamados assim?!), sejam eles "playboys" ou "metaleiros" - tanto faz. No final das contas, é tudo a mesma coisa. Na adolescência, são os mesmos, se distinguindo por pura vaidade e pelo barulho mais alto que puderem produzir ou ouvir com a sua galera. Porque - não se enganem! Passou (e muito!) o tempo em que metaleiro era sinal de underground. Não se enganem pelas vestimentas, ou pelo estilo. Ali no meio, tem uma pá de classe média, pronta pra várias "infrações", só por diversão, pra ir contra "o sistema capitalista", afinal, quem quer fazer parte da geração coca-cola assim, sem nem protestar?! Claro que vão! Todos com seus iPods, óbvio, senão, como é que ouviriam o bom e velho metal, e pirariam com os solos insanos com sua galera?
Não, eu não tô generalizando. Nos dois meios tem muita gente que não se enquadra nesse perfil - GRAZADEUS! Mas, os que se enquadram, Deusmilivreguarde deles e de sua família, que tantas vezes deu seus pulos pra livrarem de "suas confusõezinhas", "coisa de adolescente", "sabe como é...". E não me julguem pela capa. Eu falo do que eu vivi e vi de perto. Adolescente de classe média entediado quer fazer graça, e é uma ínfima minoria que obedece os pais direitinho e cumpre as leis. Fica em casa, estudando, tá em casa no horário, não compra bebidas alcoolicas antes da idade permitida e nem fuma cigarro. Não experimenta drogas, nunca detonou uma placa, pixou muro ou qualquer propriedade alheia, dentre outras coisas, MUITO PIORES. E, cá pra nós, se você andava nesse meio e nunca fez nada disso, admita, você não era o bundão da galera e morria de vontade de conseguir fazer?
Me lembro bem da minha adolescência, e não sou hipócrita. Na minha escola, quando eu tinha uns 11 anos, tava na "moda" lança perfume, e rolava solto por ali. Não só na minha, mas em todas as particulares de São Luis. Maconha então, mais fácil ainda. Cigarro?! Se eu dissesse que era pro meu pai, comprava em qualquer esquina. E, vou te falar - eu, classe média, "branca"(amarela). Na minha adolescência, minha galerinha se amarrava em detonar placas de trânsito. Tá todo mundo de boa. Uns formados, outros se formando, outros viajando. Não tem ninguém preso, não. Mas, também não tinha nenhum negro. Coincidência?! Vai nessa.
Eu circulava por muitas galeras diferentes, como dizia uma amiga. No meio dos playboys, tinha uma galera que se amarrava em pixar muros - vai entender. Depois, gostavam das novidades das drogas, e era com eles que se podia conseguir, se quisesse. Nesse meio estavam os que batiam nas namoradas, batiam carro e fugiam - sem CNH, ÓBVIO, arrumavam confusão e saíam espancando gente que não tinha feito nada (e continuaram fazendo isso mesmo na idade adulta), falsificavam documentos escolares, enfim. Desses aí também tá todo mundo de boa. A maioria tem empresa, hoje em dia. Empresas, mais precisamente. Fichados?! Nunca ouvi falar de nenhum. Até vi um ou outro aparecer em algum jornal. Porém, do mesmo jeito que apareceu, foi esquecido. Desses aí, me lembro de um negro. Mas, esse, privilegiado, se deu bem. Nunca vi o nome dele em notícia - mas pode ter passado batido. Ouvi rumores que até hoje tá se dando bem. Vai saber... Os outros?! Continuam livres, leves e soltos. A gente sabe que a lei não foi feita pra classe média alta e branca, tá de boa, né? "Gente de bem" pode viver sossegada nessas horas.
É nessa galera que vivem os que querem definir um conceito fixo de "certo e errado", "em cima e embaixo", "rosa e azul", ou umas coisas que, em boa parte das vezes, nem influenciam na vida deles, mas, vai saber, eles simplesmente cismam que têm o direito de definir. E, em casos mais sérios, essa galera também pensa que pode decidir quem vive e quem morre, porque, independente de termos uma imensidão de leis - falta ter lei pra dizer com que pé começar a subir as escadas, simplesmente descartam todas elas quando se trata dos seus próprios interesses ou vontades. Quando se trata de "gente de bem", a lei só serve pra quem eles resolverem taxar de "bandido". E aí, fica a critério deles decidir quem entra na roda.
"Gente de bem" tem memória seletiva. Jamais vai lembrar quando pagou pra uma menina abortar pra "salvar o futuro do seu filho", ou quanto pagou pra "apagar as confusões" da sua cria. "Sabe como é" galera, esses jovens...
Mas, não, peraí! Não comparem os filhos da "gente de bem" com bandido, não! Como assim? Que absurdo! Menino foi criado a leite ninho e hipoglós, quer comparar esses bandidinhos que não tem nem onde cair morto... pelamordedeus.
Sempre vai ter um motivo pra fazerem as vezes da justiça, da polícia, ou seja de quem for. O caso é que, pra essa gente, a lei só é respeitada quando for conveniente. Não é dificil imaginar o que seria da vida em sociedade se cada um resolvesse respeitar todas as leis de acordo com a sua própria conveniência. E a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco, porque num país como o nosso, é assim que funciona.
Então, sim, claro que eu tenho medo. Como eu não teria? São pessoas que tem sede de vingança, geralmente sem consciência, que pensam que seu direito de propriedade está acima do direito à vida de outrem; são pessoas que querem definir o meu jeito de viver, o jeito da minha vizinha e da minha colega de escola de se vestir. Querem fiscalizar a minha roupa, com quem eu deito, como eu falo, se eu cruzo a perna, que rua eu ando, como eu falo, como meus filhos vão ser criados, e cada detalhe da minha vida particular. "Gente de bem" cria padrões, e, se não andarmos dentro deles, temos diversos adjetivos pejorativos pra sermos encaixadxs. Fiscalizam o cu dos meus amigos, onde já se viu?!
Dizem que querem uma sociedade justa, quando, na verdade, querem segregar, e a justiça é só dentro do quadrado deles. Quem tiver fora, que se foda.
Não, não... eu gosto de gente. Mas, "gente de bem" - quero distância.


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