Aquela rede de proteção toda cortada na janela do seu quarto do 5º andar era um gatilho. Recortou numa das muitas tentativas, e ficou lá como lembrança. Passava horas do dia encarando aquilo, decidindo pular ou não. Às vezes, depois de um tempo, chorava compulsivamente pensando no sofrimento que causaria em quem ficasse. Outras vezes, era uma apatia, quase como um imã chamando pra pular.
Passou a tarde assim. Olhando, encarando, estudando movimentos e posições, onde cairia, como cairia. Depois, chorou.
Nesse dia teve sessão com a psicóloga. Como sempre, muito boa. Porém, ao terminar e recorrer a outra ajuda, um balde de água fria. Ok. Voltando pra rede de proteção, que já não protegia mais. A janela vivia fechada agora. Mais choro. E o vazio, e a solidão. Ok. "Preciso levar os meninos pra comprarem roupas', pensou. E foi, no automático. Como não acontecia há mais de um ano, descontrolou-se e comprou compulsivamente. "Uma camisa só, tudo bem." "Mais uma não tem problema, parcelo." "Peraí, to precisando dessa... essa outra é bonita." E por aí foi, e foi, e foi. Quando percebeu, estava cheia de sacolas na mão. Um misto de um pequeno gozo com peso na consciência. Não teria como pagar. Teria que recorrer aos seus pais novamente. E assim ia, naquele ciclo vicioso.
Desde a primeira crise, tudo ficou mais difícil. Um diagnóstico atrás do outro, e uma vida inteira pra dar conta. Mas, não dava. Era tudo muito pesado, muito cansativo. Acordar, levantar, tomar banho, se vestir, realizar as tarefas do dia a dia. Cada coisinha era cansativa.
Viver com dor não é pra qualquer um. Dor constante. Às vezes, mais aguda, outras, mais suportável. Mas, sempre dor.
O mais difícil da bipolaridade não é a auto-aceitação do diagnóstico - é a aceitação daqueles que deveriam ser a rede de apoio sobre o diagnóstico e tudo que isso implica. "Você toma remédio demais" "Você não se ajuda" "Você precisa reagir", e vai, vai, vai... até que parece que a cabeça vai explodir, e a vontade de não mais existir volta com força.
Já se passou mais de um ano em episódios alternados. Depressão, hipomania, depressão mista, e assim ia. Até quando, vai saber. Só tinha uma certeza: um dia, tudo isso ia acabar. Não se via 20 anos além. Já teria partido, com toda certeza. Então, o fígado não seria um problema em relação aos remédios controlados, pois ele nem estaria mais aqui pra dizer se prejudicou ou não.
E a rede lá. Sempre lá. Chamando, atraindo.
Só mais um dia.
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