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"Temos todo o tempo do mundo"

 Penso que uma das piores coisas da minha vida foram os diagnósticos de transtorno de personalidade borderline e fibromialgia. São condições extremamente cansativas e desgastantes, tanto pra mim quanto pra quem convive comigo. Muitas vezes, me sinto culpada por isso. Por "forçar" as pessoas ao meu redor a me "aguentarem" nos períodos de crises. E, a impressão que eu tenho, é que a mínima coisa desencadeia uma crise. Pode ser leve, ou pode ser mais forte. Nunca dá pra prever. Relacionado a esses diagnósticos(que vieram antes deles, pra falar a verdade), tenho depressão crônica, transtorno de ansiedade e insônia crônica. Já dizia a música "não é fácil viver assim". 

Tenho lido um livro sobre o transtorno de personalidade borderline, e só tem confirmado meus pensamentos. Em uma parte, o livro diz "qualquer coisa/tudo é muito pra um borderline". Sempre soube que sou exagerada e extremamente sensível, mas, ter um diagnóstico e perceber o quanto isso torna meus relacionamentos interpessoais frágeis, é muito complicado de digerir e lidar. 

Esse mês, especificamente, me parece ter sido o pior da minha vida. Eu sei que não foi. Tive um período relativamente "longo" em que estive em crise. Foram muitos remédios, terapias que me confundiam, muito sofrimento e angústia, pressão externa pra que eu parasse de tomar os remédios e "melhorasse logo". Hoje, eu entendo que ninguém faz isso por mal. Deve ser árduo ver uma pessoa que vc ama passando por isso e parecer nunca ter fim. Tomar remédio controlado é horrível. São muitos efeitos colaterais difíceis de conviver. Ninguém toma remédio controlado porque quer. Já é até clichê dizer isso, mas, não há uma pessoa sã nesse mundo que diga pra um diabético parar de tomar insulina e "se esforçar mais". Ou pra um hipertenso. Ouvir que a gente "não se ajuda", "parece que não quer melhorar", só piora a nossa condição. É só refletir um pouco pra não falar essas asneiras. Acredito que ninguém escolhe ser depressivo, ansioso, fibromiálgico, borderline. Se quem fala essas coisas soubesse o que é conviver com isso diuturnamente, jamais falaria algo do tipo. Eu odeio ter que tomar remédio. Hoje, não tomo mais antidepressivo nem regulador de humor, por escolha. Sei que minhas dores pioram significativamente sem os remédios, sei que eu fico mais difícil ainda de lidar, mas, por mim, acredito que seja o melhor. 

Em um período de uns 3 anos de muita dor, física, emocional e psicológica, tentei suicídio 3 vezes. Nas 3, tive parada cardíaca. Por um bom tempo tive raiva de Deus e seus seguidores. Dos seguidores, ainda tenho, mas, de Deus, tenho tentado me reaproximar, por todo o cuidado que Ele tem tido comigo nesses longos anos. Não tiro o meu mérito, nem da minha rede de apoio(que, sem querer, muitas vezes acaba por piorar a situação), nem das minhas médicas, que, vale dizer, são excelentes. 

Hoje em dia, decidi me afastar de tudo que possa me fazer mal. Eu sei que não vou poder fazer isso sempre e nem a vida toda, afinal, vivo em sociedade. Mas, no momento, o máximo que eu puder me isolar, melhor. Não estou bem. Tudo me machuca, me incomoda, me angustia, me traz dores, me traz pensamentos horríveis. 

Tentar suicídio não é simplesmente desistir e/ou ser egoísta. É um fugir de uma dor muito profunda, do desespero, da angústia, da sensação de que vai ser melhor assim - acabar com o meu sofrimento, e, consequentemente, dos que estão ao meu redor. Porque, nesses períodos, a maior parte do tempo eu me sinto um peso. 

Claro que, muitas coisas, segundo meus estudos, contribuíram pra que eu viesse a "desenvolver"(não sei se seria esse o termo) essas condições. Sempre me senti desamparada. Nunca tive quem realmente me defendesse, com exceção do meu pai, que, dentro das suas limitações, sempre fez o melhor que pôde. E o sentimento de vulnerabilidade, de insegurança, de baixa auto-estima(não apenas no quesito físico, que nem sempre existiu, mas, principalmente, na questão do valor como pessoa mesmo), são devastadores. Saber que, quando algo me machuca, eu não posso contar com ninguém pra me acolher, ficar do meu lado, "tomar as minhas dores", é bem complicado e doloroso. É uma inquietude, um desespero, um vazio, um desamparo. 

Sofri muita violência psicológica na minha infância/adolescência e em alguns momentos da vida adulta - uns mais longos, outros pontuais. Fui vítima de violência doméstica do primeiro namorado que tive(o que me tornou muito desconfiada e medrosa, embora, hoje, não hesitaria em fazer uma denúncia). Sofri abuso sexual de parceiros, estupros. Acho que tenho uma boa cota de traumas pra contar com 36 anos de vida. Às vezes, parece que basta.

Apesar de tudo, não me considero uma pessoa difícil. Em períodos normais, sou comunicativa, sou muito verdadeira(em qualquer período), honesta, uma boa amiga, boa familiar, boa parceira - assim acredito eu. Porém, me entrego demais pra tudo. Quando gosto/amo alguém, seja de forma romântica, seja de forma fraternal, dou o meu máximo. Tento estar presente e disponível pros "meus", sempre. Mas, óbvio, não sou, de longe, perfeita, como o próprio texto diz. Tenho muitas limitações. Acredito demais nos outros, meu "desconfiômetro" é desregulado, então, acabo me envolvendo muito facilmente com quem me dou bem. E, eu sei, isso não é bom pra mim. Me coloca em uma situação de muita vulnerabilidade, o que eu já vivo diariamente. 

Apesar de tudo, tenho evoluído, pelo que considero, bastante. Minha psicóloga, que é uma deusa - diga-se de passagem - tem um papel fundamental nisso. Nunca conheci uma psicóloga com que encaixasse tão perfeitamente - e, vale dizer, faço terapia desde os 20 anos, então, bote uns 16 anos na conta. Passei por psicanalistas freudianos, lacanianos, feminista, constelação familiar(é, meus queridos....).... então, por experiência, hoje me identifico com a TCC - Terapia Cognitiva Comportamental - porque é a que me ajuda. É claro que eu sei que outras abordagens podem "funcionar" bem com outras pessoas. Não menosprezo nem digo que uma é melhor do que a outra. O que digo é o que funcionou/funciona pra mim.

Hoje, em um período de crise que considero um forte, só estou conseguindo dormir, no máximo, 5 horas por noite, mesmo com meu "arsenal" pra ajudar a dormir. Por outro lado, produzo mais. MAS, fico cansada o tempo todo.

O que me fez perceber o cuidado de Deus comigo foi o fato de, mesmo eu estando em um período extremamente crítico, muitas oportunidades tem surgido, e eu tenho tentado abraçá-las o máximo que eu puder. E eu vou conseguir, sei disso.

Enfim, foi só um desabafo. Preciso me preservar, pelo menos esses tempos. Ou melhor, preciso aprender a me preservar mais, em tudo. E tenho aprendido, a duras penas, mas, sim, tenho aprendido. Em um período de menos de um mês, me afastei de pessoas que me eram muito queridas, que eu sentia um amor profundo. Sofri pesarosamente por alguns dias, e, depois, com a graça de Deus, "passou". "Passou" no sentido de eu não sofrer mais por isso e nem sentir mais falta delas. É como uma morte, e, aparentemente, já vivi o meu luto. Meu noivo diz que foi pro bem. E eu acredito que sim. Por mais doloroso que seja, é melhor que a gente descubra quem realmente tem apreço, amor, carinho, amizade, por nós, do que passar anos se enganando. Não digo que não guardo mágoa. Ainda guardo, sim. Entretanto, já não me dói mais. Não penso mais nisso - pode ser que seja uma estratégia de auto-proteção, ou, pode ser que realmente tenha ficado pra trás. Só o tempo pra dizer. Algumas pessoas eu, decidida e definitivamente, não quero mais na minha vida, nem por educação, nem por conveniência. Outras, ainda sinto que posso manter alguma relação que não me faça mal. Cada cabeça é uma sentença. 

Fico por aqui, e até a próxima. "Temos todo tempo do mundo."

Comentários

  1. Entendo você, também tentei meus suicídios, o mais louco foi num carro abrindo a porta pelos 90 km, também tive lavagem estomacal, odeio sempre quando tratam as pessoas por coitadinhos, empatia é um estado que deveria ser bem comum, mas ninguém faz, tive meus remédios, também tive inúmeras insônias, volto a falar, entender o outro é muito fácil, temos imensas falhas, estamos em evolução, esse planeta é uma ponte para tentarmos um capricho a mais para nossa evolução, nunca trazemos um manual na bolsa, só que quando enxergo o mar, eu sei que isso não é plastificado, o espírito é antigo, ele sabe destes erros e num dado momento, ele transcreve seus encalços por respirar bem!

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